Zona de Interesse: a banalidade do mal no cotidiano do horror

cena do filme Zona de Interesse, com a família Höss na piscina e o campo de Auschwitz ao fundo

Pai, mãe, 5 filhos e um cachorro. Esses personagens poderiam apenas representar nas telas uma família feliz vivendo em uma bela casa, não fossem dois detalhes: a bela propriedade, que a mãe chama de “paraíso” é vizinha de muro do campo de concentração de Auschwitz e o pai, Rudolf Höss, é o super-eficiente comandante do campo, que o levou à máxima produtividade. Essa é a trama de Zona de Interesse.

Eu inaugurei com ele, em grande estilo, o meu Projeto 52 filmes em 52 semanas e, neste texto, trago meus comentários ao filme, conectando-os ao conceito de banalidade do mal, da filósofa Hannah Arendt.

Do que trata Zona de Interesse?

Rudolf Höss, à direita, com Richard Baer e Josef Mengele, em 1944. Foto do United States Holocaust Memorial Museum.

Zona de interesse, filme de 2023, disponível no Prime Video, conta a história da família Höss que, durante a Segunda Guerra Mundial, se esforça para construir uma vida paradisíaca em uma casa vizinha ao campo de concentração de Auschwitz.

Concentrando-se no casal Rudolf e Hedwig Höss, o filme apresenta uma tensão que dá um nó na garganta do espectador: em primeiro plano, temos o cotidiano da família – chá da tarde com as amigas, crianças brincando, idas ao rio próximo de casa. Mas, pelas janelas ou no quintal, sempre vemos, ao fundo, o enorme muro com arame farpado, as torres de vigia e as chaminés dos crematórios do campo de concentração.

O horror está logo ali, permeando a atmosfera de pretensa normalidade.

Diferente de outros filmes que retratam o Holocausto, nada aqui é explícito, o que exige do espectador uma atenção aos detalhes: prisioneiros, com os típicos uniformes do campo, aparecem ao longe, fazendo trabalhos forçados ou, mais próximos da tela, em atividades domésticas da casa dos Höss. Eles não são o centro da atenção, são um “ponto fora da curva” na tela.

Numa cena, bem no início do filme, Hedwig recebe um casaco de peles e brinca com as amigas, durante um chá, dizendo que ele veio do Canadá – não o país, mas um local onde os judeus recém-chegados a Auschwitz, deixavam seus pertences. Achou mórbido? Ela discorda!

E o que dizer de Rudolf Höss, realizando reuniões sobre como maximizar a “produtividade” do campo de concentração? São milhares de vida em jogo, mas o assunto é tratado como qualquer assunto de negócios. Um negócio da morte, cujo único objetivo é eliminar mais gente em menos tempo.

O mal pode ser mais comum do que poderíamos pensar

Conforme eu assistia ao filme, o conceito de banalidade do mal, da filósofa Hannah Arendt, não saía da minha cabeça.

Eu, que costumo acompanhar podcasts sobre crimes reais, sempre me peguei tentando entender o que leva uma pessoa a cometer atos violentos, sádicos até, contra outra. Nos casos que ouço, geralmente uma combinação de genética (transtornos diversos) e ambiente desajustado leva a isso.

Mas, Hannah Arendt, ao acompanhar o julgamento de Karl Adolf Eichmann, um funcionário do regime nazista, desenvolve a ideia de que ele não era um demônio, um psicopata, como poderíamos pensar. Na verdade, o que ele praticava era um mal constante, burocrático; o mal como ferramenta de trabalho.

Em um cenário tão deturpado quanto o do regime nazista, o mal se tornou comum, banal.

Nos julgamentos de nazistas que se seguiram à derrota da Alemanha, vários deles diziam estar apenas “cumprindo ordens”, seguindo as leis vigentes na época.

E é exatamente essa banalidade do mal, que vemos em Zona de interesse, que torna o filme tão angustiante e, ao mesmo tempo, potente.

Ele é um alerta para nós, hoje, sobre os perigos de desumanizarmos aqueles que consideramos inimigos. Sabe aquela história do “esse aí merece morrer”, que a gente tanto ouve no Brasil contemporâneo? Pois é… Quando tratamos as pessoas como coisas descartáveis, damos um passo rumo à falta de sensibilidade em relação à dor do outro. E aí, tudo se torna possível; qualquer ação, por mais violenta e sem cabimento que seja, se torna justificada.

Se for assistir, fique atento a…

O filme não é um blockbuster hollywoodiano. Então, não espere grandes reviravoltas, discursos inflamados ou uma trilha sonora arrebatadora e didática, manipulando suas emoções de um jeito fácil.

A genialidade de Zona de Interesse está nos detalhes: no som (ou na ausência dele) no fundo, com gritos dos prisioneiros e um constante e incômodo ruído; nas cores neutras e sem brilho, que partem da proposta do filme de não glorificar os nazistas; nos diálogos que retraram absurdos como algo simples e cotidiano.

Outro ponto que eu preciso destacar: esse é um filme mais cult, com um ritmo lento. Então, recomendo assistir quando você estiver disposto e sem sono.

Para saber mais…

  • Imagine como você se sentiria, o que pensaria se fosse neto de uma figura nazista como o Rudolf Höss! Nesta matéria da BBC, há relatos de descendentes de várias figuras importantes do período e como eles lidam com essa herança familiar hoje em dia.
  • O livro de Hannah Arendt, Eichmann em Jerusalém, mistura jornalismo político e reflexões filosóficas sobre a banalidade do mal.
  • Quem foi Rudolf Höss da vida real? Esta matéria do Estadão conta mais.

Minha avaliação de Zona de interesse

Não tinha como ser diferente! Esse é um filmaço que merece ⭐⭐⭐⭐⭐.

Você já assistiu? Gostou do filme? Não assistiu e ficou com vontade de ver? Me conta nos comentários.

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