Sabe aquele livro que, na primeira leitura, você não vê grandes coisas e, na releitura, ele explode a sua cabeça? Assim foi pra mim com A morte de Ivan Ilitch. Essa novela é um dos clássicos do escritor russo Liev Tolstói e é a responsável pelo meu último surto literário.
Por que esse livro é tão bom? É o que vou te contar neste texto.
Do que trata o livro?
A morte de Ivan Ilitch é um livro cujo fim já está no próprio título. Nesse sentido, não podemos falar de spoilers. Por isso, o que importa para o autor não é o fim, exatamente, mas como nosso personagem chega lá.
Ivan Ilitch era um juiz de instrução e passou a vida evitando aborrecimentos. Todos as suas relações eram superficiais para que nada o aborrecesse. Casou-se por conveniência e, quando a esposa começou a lhe apresentar demandas, ele passou a ficar fora de casa a maior parte do tempo possível. No trabalho, ele fazia o que era necessário, mas se limitava ao básico. Seu objetivo era ter uma vida agradável, mas nada na vida dele pulsava; nada se destacava, para o bem ou para o mal. Ele vivia na média.
Até que um acidente doméstico, absolutamente banal, o deixa de cama e à beira da morte. Nessa situação, Ivan se vê diante de sua própria vulnerabilidade e passa a vida em revista, buscando encontrar algum sentido antes de partir.
Nós, leitores, somos convidados a participar dos últimos dias de Ivan Ilitch como que participando de uma experiência pedagógica sobre a morte, antes que passemos pela nossa mesma.
“De fato, se a literatura nos permite viver muitas vidas, também nos possibilita morrer muitas mortes.”
Yuri Al’Hanat I
Com Ivan Ilitch, somos confrontados com a ideia de que a reflexão sobre a morte é uma ferramenta de valorização da vida. Isso é potente!
Minhas fritações com Ivan Ilitch
O livro não conta com grandes acontecimentos. Ele é uma forma de acompanharmos as reflexões de nosso protagonista. E, junto com ele, somos convidados a pensar na nossa própria vida.
MORTALIDADE
Uma coisa é entender, racionalmente, que todos vamos morrer, que a morte é a condição certa da vida. Outra coisa é entender afetivamente – no coração, na alma – a nossa mortalidade.
Nas aulas de lógica, é muito comum encontrar esse silogismo (uma forma de raciocínio lógico) que nosso protagonista aprendeu. A ideia é mostrar que de uma premissa maior (todos os humanos são mortais), nós podemos derivar a conclusão sobre um indivíduo particular que faça parte do grupo maior (Caio / humano).
Logicamente, racionalmente, nós entendemos. Mas, quando chega a nossa vez… Aí a coisa se complica.
VULNERABILIDADE
Ivan Ilitch havia criado uma vida superficial. Ele não nutria nenhum relacionamento profundo com ninguém, nem mesmo com a esposa. No fim, ele se torna refém da imagem que criou. A máscara social que usava se fundiu ao próprio rosto de tal forma que ele não conseguia mais tirá-la, mesmo quando se viu em uma situação de total vulnerabilidade. Ele passou a vida sem oferecer afeto. Quando precisou recebê-lo, não sabia pedir e ninguém, a não ser o funcionário Guerássim, lhe ofereceu qualquer conforto.
Diálogos entre Sêneca & Ivan Ilitch
Os limites de um artigo como este não dariam conta de explicar todas as reflexões que Tolstói me provocou nesse livro. Ainda mais se considerar o diálogo que há entre A morte de Ivan Ilitch e o livro Sobre a brevidade da vida, de Sêneca.
Em Sobre a brevidade da vida, o filósofo estoico Sêneca chama a atenção para figuras romanas bem ao estilo de Ivan Ilitch: gente que vive ocupada com o que não importa e, no fim, se arrepende, tarde demais, da vida que (não) teve.
Sêneca e Tolstói nos transportam para o fim da vida, para refletirmos sobre o que fazemos com ela agora. Pensar no nosso último dia aqui não é um exercício mórbido; é uma forma de valorizar o hoje e aprender a viver.
E, se você gostou do post e quer seguir com essa conversa, participe do Webinário Entre Sêneca & Tolstói, que nasceu das minhas fritações que eu apresentei aqui (e das que não couberam nesse espaço) para promover o diálogo entre Filosofia e Literatura.