Se você já assistiu a algum filme sobre Jane Eyre, provavelmente viu cartazes como este:
Dando um Google sobre filmes como esse, você vai encontrar várias imagens que indicam uma história de amor clássica. Porém, a verdade é que ainda que tenha um romance no meio, o livro é, antes de tudo, um romance de formação, que acompanha nossa protagonista desde a infância.
E que personagem pra passar perrengue!
Começamos o livro conhecendo uma Jane ainda criança, vivendo com sua tia, a Sra. Reed e seus primos. Desde cedo, nossa protagonista é o tipo de pessoa decidida, que luta contra as injustiças e não leva desaforo pra casa, o que acaba rendendo muitos conflitos com a família, porque a Sra. Reed não é das maiores fãs dessa personalidade de Jane.
Por isso, aos 10 anos, ela vai para uma instituição de caridade conhecida como Lowood, onde fica até os 18 anos, passando por privações que vão desde fome e frio até a perda de uma amiga durante um surto de tifo.
Em Lowood, Jane aprende a controlar seu gênio e, apesar de se manter como uma adolescente determinada, ela consegue se adaptar melhor à sociedade e chega a se tornar uma professora na instituição. Mas, aquele era um mundo muito pequeno para uma pessoa tão inteligente e curiosa quanto Jane. Assim, aos 18 anos, ela decide colocar um anúncio procurando emprego como preceptora.
E, assim, temos mais uma mudança para nossa protagonista. Dessa vez, atendendo à resposta ao seu anúncio, ela chega a Thornfield Hall, a mansão de propriedade do excêntrico Sr. Rochester e que guarda um mistério que mexerá com Jane e mudará seu destino.
Parece que muita coisa aconteceu, mas esses são apenas os primeiros capítulos do livro. Mais do que isso eu não vou contar, porque não quero te dar spoilers. Mas, posso te contar por que essa história me chamou tanto a atenção.
A polêmica do livro
O livro é quase uma autobiografia da autora Charlotte Brontë. Apesar de ter crescido em uma família com pai, mãe e irmãos, Charlotte sofreu a perda de uma irmã em uma instituição e teve que lidar com outras perdas e desafios familiares ao longo da vida.
Mais tarde, teve que publicar o livro com um pseudônimo masculino, pois o acesso à publicação era difícil para as mulheres naquela época.
📚 Inclusive, deixo aqui duas recomendações de livros da Virginia Woolf sobre o problema das mulheres como autoras:
◾ Em Um Teto Todo Seu, ela mostra como as condições materiais nunca favoreceram as mulheres que quisessem escrever, a começar pelo fato de que elas, raramente, tinham algum cômodo sossegado na casa onde pudessem se dedicar à sua arte.
◾ Já na coletânea Mulheres e ficção, traz um excelente ensaio intitulado Jane Eyre e O morro dos ventos uivantes, que comenta essas duas das mais conhecidas obras das irmãs Brontë, além de trazer outros textos igualmente importantes sobre as mulheres e a/na ficção.
Voltando à nossa autora… quando o livro foi publicado (ainda com pseudônimo masculino), ele foi um sucesso. Porém, quando Charlotte revelou sua autoria, choveram críticas. Alguns argumentavam que aquele não era um livro apropriado para ser escrito ou lido por mulheres; outros diziam que era um livro que ofendia os cristãos, porque ele traz críticas ao diretor da instituição de Lowood, um clérigo, que não era uma pessoa das mais caridosas no trato com as meninas.
A situação foi tal que Charlotte escreveu um prefácio à segunda edição, onde dizia:
Convencionalidade não é moralidade. Correção não é religião. Atacar as primeiras não significa assaltar as segundas. Arrancar a máscara do rosto do fariseu não significa levantar mão ímpia para tocar a Coroa de Espinhos. (prefácio do autor)
Jane Eyre como protagonista
Mas o que teria em Jane Eyre que causou tanta comoção na época?
Para começar, apesar de pobre, sem beleza nem conexões, Jane é tudo menos uma donzela em apuros. Sabendo que só pode contar consigo mesma, ela pensa muito bem antes de agir e não se deixa levar pelas paixões. Diante de uma proposta quase irrecusável, ela diz:
Eu me importo comigo. Quanto mais solitária, quanto mais sem amigos, quanto mais sem amparo estiver, mais respeitarei a mim mesma. (cap. 27)
Apesar de muito racional, ela guarda um caráter quase selvagem, explorador, que faz com que ela não se conforme totalmente à caixinha onde tentavam enquadrar as mulheres da época.
As mulheres supostamente são em geral muito calmas, mas elas sentem da mesma forma que os homens, e precisam exercitar suas faculdades e direcionar seus esforços da mesma forma que seus irmãos; uma contenção demasiado rígida, uma estagnação demasiado absoluta as fazem sofrer exatamente como os homens sofreriam; e trata-se de uma estreiteza de pensamento por parte dos seus semelhantes mais privilegiados dizer que elas deveriam se ater a preparar sobremesas e tricotar meias, a tocar piano e bordar sacolas. É insensível condená-las ou rir delas caso busquem fazer mais ou aprender mais do que o costume declarou ser necessário ao seu sexo. (cap. 12)
Hoje, tudo isso parece óbvio, mas na época, era um escândalo! Jane Eyre é uma protagonista que foge do padrão esperado para uma mulher daquele tempo, revelando ser uma personagem complexa, com dilemas internos importantes, que tenta não apenas sobreviver como também encontrar sua liberdade num mundo extremamente hostil.
Outras considerações
Por tudo isso (e por muita coisa que eu deixei de fora), Jane Eyre é uma montanha-russa de emoções que vai te deixar grudada no livro até acabar. Aliás, o próprio editor que recebeu o manuscrito leu tudo em 1 dia só, porque era impossível parar de ler.
Ainda há discussões importantes sobre direitos dos trabalhadores, sexualidade, pertencimento e religião, de uma forma bastante explícita em toda a obra. Charlotte Brontë não poupou palavras em suas críticas e eu não poderia gostar mais disso!
Sobre a edição
Li na edição da Penguin-Companhia das Letras e gostei bastante da fluidez do texto e das notas de rodapé. Porém, tomei um baita spoiler na introdução! Eu já estava em 70% do texto e não me importei, mas deixo o aviso aqui para quem não quiser saber do final antes mesmo de começar. 😅
Também no YouTube
Se você quiser me ver surtando com Jane Eyre, pode conferir o meu vídeo de resenha.
Jane Eyre foi meu primeiro livro lido no Projeto 40 antes dos 40 e eu posso dizer que comecei em grande estilo, porque ele foi responsável pelo meu primeiro surto literário do ano. 🔥